21/12/2011

Alto do Pina - 18/12/2011




Lisboa tem de ter algum tipo de recorde para as salas mais bizarras utilizadas na organização de pequenos concertos underground. Não se consegue explicar o que é ver um concerto de punk, ou hardcore, numa sala como a Casa de Lafões. Aliás, contado, é mesmo impossível descrever o que é a Casa de Lafões. Mas eis que a bizarria da sala da Madalena ganha um concorrente de peso, mais habituado a outro tipo de bailaricos, mas igualmente cada vez mais habituado a trocar a marcha popular pelo two step. De novo, ninguém se acreditaria perante uma descrição cénica e de ambiente da sala do Ginásio do Alto do Pina. Não vou sequer tentar, deixo somente o repto para que, numa outra ocasião, a lá se desloquem. Nem que seja para, durante um qualquer concerto, levar com um pouco de estuque caído dos céus.

A tarde marcava o fim da mini tour encabeçada pelos LIFEDECEIVER e pelos Don’t Disturb My Circles, mas é um daqueles cartazes que, mais nacional, era impossível. Os LIFEDECEIVER vinham de Coimbra. Os Step Back! retornavam à capital vindos de Penafiel. Os A Thousand Words vinham do Algarve e, a receber todos este misto de sotaques, os lisboetas Pussy Hole Treatment e Don’t Disturb My Circles.

Os Pussy Hole Treatment terão ficado bastante agradados pelos problemas de logística iniciais que levaram a um atraso no início dos concertos. À hora marcada, teriam tocado para si e bandas restantes. Assim, a banda conseguiu desde logo reunir na sala cerca de 40 pessoas (que poderá soar pouco, mas tendo em conta a dimensão da sala e arrumação da mesma, significa a sala praticamente composta), desde o início. A banda, de cara lavada – isto é, novos membros, nada em relação aos hábitos higiénicos dos mesmos -, vai demonstrando o seu amadurecimento sonoro que, pontualmente, se vai desviando daquilo que conhecíamos da banda. Uma intro bastante melódica, por exemplo, é sintomático disso mesmo. Uma cover, bastante personalizada, diga-se, de Have Heart (“Lionheart”), idém. A banda compôs o seu set com incidência nas músicas do split lançado com Never Fail e no seu EP “Destroy Everything Now”, tendo ainda apresentado músicas novas, a lançar brevemente.

Sem dúvida a banda mais deslocada do cartaz - num género pouco habituado a este tipo de desvios musicais -, os Don’t Disturb My Circles tiveram de lutar contra isso mesmo e contra, ainda, problemas técnicos iniciais no seu set. A banda foi distribuindo hardcore caótico na onda de uns Everytime I Die, The Number Twelve Looks Like You ou, mesmo, Dillinger Escape Plan ou Converge. Riffs, como se disse, bastante caóticos, momentos bastante diferentes dentro da própria música, que simulam músicas dentro de músicas, numa espécie de musinception. Uma grande presença em palco (ou mesmo na ausência dele, face ao concerto se ter realizado no chão), bem em consonância com a música que ia sendo, permita-se-me, despejada. Uma banda que merece uma maior abertura de espírito do público, quando, como em cartazes como este, se encontra mais desviada. Mas, acima de tudo, uma banda que merece ganhar o seu próprio público, de um estilo ainda pouco desenvolvido por cá.

Mais tradicional será o som dos A Thousand Words, principalmente quando a banda ainda vai tocando as músicas presentes na sua demo e, por isso, mais antigas. A Intro da banda continua a fazer estragos e a ser a música mais concorrida em termos de adesão. Algo que, se acredita, poderá estar para mudar, bastante somente para isso a banda lançar finalmente algo novo. E este, nota-se, é o principal handicapda banda: falta de entrosamento e empatia com o público, motivado pelo desconhecimento do mesmo em relação aquilo que é tocado pela banda, que resulta na pouca adesão e participação do mesmo. É que, musicalmente, nada falha na banda. Nem mesmo com um membro de recurso a substituir um dos elementos full time da banda. É uma banda que tem uma presença como poucas. É uma banda que tem uma sensibilidade e uma técnica musical como poucas. É, sem dúvida, uma das principais bandas do hardcore nacional. A banda continua, então, a demonstrar o poder que as músicas novas têm e que só podem deixar excitado qualquer pessoa que goste de hardcore, precisando ainda assim, de ter um set mais fluido e sem tantos cortes. “Bottom Feeder” dos Rise & Fall terá, ainda, feito as delícias daqueles que gostam de ouvir covers de bandas famosas nos concertos.

Um dos casos mais enigmáticos do hardcore nacional, será sempre o dos LIFEDECEIVER. Poucas bandas são tão profissionais e apresentam um produto tão cuidado e tão pensado quanto esta. Não há como ficar indiferente, quando entramos na sala e temos uma tela de fundo gigante com a imagem da banda. Não há como ficar indiferente a uma banda que, na sua banca de merch, tem de tudo, de qualidade, e apelativo visualmente. Não há como ficar indiferente a lançamentos bastante trabalhados ao nível da imagem, que transmitem uma ideia de brio e profissionalismo que, muitas vezes, falha em demasiadas bandas (seja por decisão própria, ou manifesta falta de vontade ou visão). E, se tudo isto não bastasse, a banda musicalmente não tem, nem nunca teve, qualquer tipo de comparação a nível nacional e, é mesmo muito dificil encontrá-la a nível mundial. E talvez a estranheza daí possa advir. Mas é uma banda que, por tudo isto, vai demonstrando que terão de ser considerados uma das grandes bandas nacionais, mas, igualmente, uma das mais subvalorizadas. Os LIFEDECEIVER apresentavam, neste fim de semana, músicas dos novos releases que a banda tem preparados. O split com Utopium está já disponível e o split com Don’t Disturb My Circles para lá caminha. Músicas que, ainda assim, podem ser ouvidas na tape (também acabada de lançar), que contempla as músicas dos splits. Tudo isto compôs o set da banda, numa presença em palco irrepreensível que não deixa espaço a qualquer tipo de observação. Num set que, até uma falha de luz, parece fazer parte do próprio espéctaculo, face a toda a imagética e conceito da banda.

E todo o pó da sala foi tirado com o concerto dos Step Back!, tecto incluído. Se a banda já se havia mostrado em forma dias antes no Montijo, no Alto do Pina a banda esteve simplesmente dopada. Um concerto de banda grande que pouco terá ficado a dever aos mais que aclamados For the Glory, Devil in Me ou Reality Slap. E tudo acaba por ser ainda mais bonito quando, para além de uma banda em claro estado de graça (riffs e mais riffs, voz super versátil e groovy que faria corar de inveja vocalistas de bandas de nova iorque), e um som da sala sempre perfeito (mesmo tendo em conta as aparentes dificuldades de acústica da mesma), o público se rende desde o primeiro acorde – eu diria até que ainda nem tinha começado o acorde e já havia sides to sides, desde o “palco” até ao merch. -, à mesma. A banda foi desfilando algumas das músicas que já lançara, interpelou-as com música nova e deitou a sala abaixo com uma irónica “World Peace” dos Cro-Mags. A verdade, viu-se, é que a paz mundial não pode mesmo ser feita. Não num concerto de Step Back!.

13/12/2011

Montijo Hardcore - 27/11/2011


De regresso ao Montijo e, em estreia absoluta nestas lides, o hardcore visitou a Timilia das Meias, o novo centro cultural desta pequena cidade, mais habituada a outro tipo de... touradas. Ponto final da tour europeia para os algarvios Critical Point, a tarde contou ainda com a presença dos Hard to Deal, dos Shape e dos Step Back! - também eles de regresso aos concertos na zona de Lisboa.

Infelizmente, não foi uma muito concorrida Timilia das Meias, uma nova venue que aparenta apresentar condições de topo para receber este tipo de concertos, que recebeu de volta o hardcore no Montijo. Uma sala com um som perfeito e, diria até, o tamanho certo para este tipo de concertos. Faltou principalmente público local, - algo que é capaz de desmotivar o mais apaixonado dos promotores, totalmente imerecido por todo o dinamismo que os mesmos ao longo dos anos vêm imprimindo à cidade -, para acompanhar as cerca de meia centena de pessoas que assistiram a mais uma matiné hardcore.

Os Hard to Deal vão, a pouco e pouco, ganhando a consistência ao vivo que os tornará uma ainda melhor banda. Ficando, por isso, sempre a ideia, a cada concerto, de que se vira o até então, melhor concerto deles. A banda apresentou os temas do seu EP de estreia (“Never Ending Story”), bem como uma música nova – aparentemente intitulada “Carry On”, mas ainda não oficialmente -, que demonstra, só por si, o talento da banda e para a qual ficam reservadas grandes expectativas para a sua audição a um nível mais profissional. Sofrendo do estigma de banda recente, os Hard to Deal ainda não conseguem ter a adesão – merecida – do público, onde o mais perto disso terá acontecido durante a cover “I Saved Latin” dos American Nightmare.

Os Shape voltaram a incendiar uma sala por onde passam e, isto, tem bastante a ver com a fiel crew de apoio que sempre acompanha a banda. Num set claramente mais curto que o habitual na banda, não faltou ainda assim, a emoção que sempre os caracteriza, principalmente em músicas como Vampires ou Rotten Inside. A banda voltou a incluir a música “1992” dos lendários X-Acto no seu set, um momento que resulta sempre numa grande adesão do público.

Com o seu regresso a Portugal, os Critical Point deram por terminada a tour europeia que haviam iniciado a 4 de Novembro. Os algarvios são de uma espécie que parece já extinta em Portugal. Youth Crew clássico, sem merdas, de orientação posi e muito vegan straight edge pride. A verdade é, já não se fazem bandas assim. Uma banda que vive bastante do spoken word, com palavras sempre bastante conscientes. Os Critical Point apresentaram um set pautado por músicas da sua demo, do seu EP “Trial & Error” e ainda uma cover de Mainstrike e Judge que, “se algum straight não conhecer, se deve envergonhar”. A banda parece ir recebendo o mais que merecido reconhecimento do público – que ajudou acanhadamente o vocalista Rafael Madeira. Esta é uma banda cujos membros já muito deram ao hardcore português e uma das razões pelo qual o mesmo subsiste e acontece frequentemente em várias zonas do país. Algo que, não fora a qualidade da banda, deveria ser garante, por si só, de grande respeito e reconhecimento.

De regresso à zona de Lisboa, estavam os Step Back! Que ficaram encarregues de encerrar a tarde de concertos no Montijo. Limitado fisicamente, o vocalista da banda foi pedindo a adesão do público, desde que não se lhe tocasse em zonas sensíveis. Pelo menos, de forma agressiva, não sabendo qual a reacção que adviria de um toque mais carinhoso. Mas ninguém queria que houvessem “stitches out” que não somente musicais e, quanto a isso, tarefa cumprida. Numa palavra, o concerto dos Step Back! É groove. Uma voz super versátil e, como disse, groovy as fuck, colorida por riffs e mais riffs, aos quais parece, ainda assim, carecer de um outro acompanhamento a nível de guitarra. A banda foi apresentando um set bastante concorrido, de especial incidência sobre músicas mais recentes, ao qual não faltou uma fidelíssima cover de Cro-Mags (“World Peace”). Espera-se agora que os mercados financeiros melhorem para que a banda tenha viabilidade económica para se lançar na gravação de novos temas e um novo registo, quiçá, um longa duração.

Concertos como estes do Montijo são o exemplo da preserverança, do amor pelo hardcore e pela cena local, do empreendedorismo e do dinamismo que pessoas como o Filipe e o Fábio. E são também exemplos da importância que o “support your local scene” tem em pequenas cenas underground como Portugal. O repto que aqui deixamos, é o de apoiarem os Filipes e os Fábios da vossa terra. O hardcore não existe só nos grandes centros e nas bandas estrangeiras. O 4theKids só pode agradecer que concertos deste género vão continuando a acontecer pelo país, mesmo que não tenhamos a possibilidade de os frequentar.