O hardcore voltou à Casa de Lafões, a peculiar sala na baixa Lisboeta. Mas, se por obra do calor veraniante, ou apenas reflexo de dois fins de semana seguidos com concertos a meio da tarde, não foi uma Casa de Lafões muito calorosa ou, sequer, numerosa, que acolheu o show de lançamento dos novos registos de Critical Point e Pressure.
Mas, não fora este pequeno pormenor, e o dia tinha tudo para ser uma grande tarde. Porque o hardcore não é só música, havia, a partir do momento em que se entrava na sala, diversos pontos de interesse. Desde logo, flyers de dietas vegetarianas (afinal, Critical Point é, assumidamente, uma banda pró-vegetariana), bancas de merch, zines, distros, etc. Um pequeno apontamento para ressalvar a importância dos mesmos, e a caracterização de um show de hardcore como mais que música. E, nesse aspecto, voltamos a experienciar um bom momento.
Quem terá sentido, de forma particular, a relativa falta de pessoas na sala - apontava a, talvez, um quarto da capacidade da sala lisboeta- e, ainda mais, a latência das que figuravam, foram os stevenseagal. A banda nunca conseguiu criar especial empatia com o público e, nem mesmo as covers de SSD e Day of the Dead, fizeram com que o público aderisse à festa. A banda surgiu como substituta de última hora face à impossibilidade dos Never Fail tocarem, mas não terá conseguido afastar esse fantasma. Tem, contudo, de se destacar que esta é uma das bandas mais originais da cena punk hardcore actual, mesclando a sua melodia a um lírica portuguesa, algo que nenhuma outra banda, na actualidade, o faz.
Os Critical Point surgiam como anfitriões deste dia, a par dos Pressure – afinal, o dia era sustentado pelo lançamento dos novos EP’s das duas bandas -, mas foram a banda que deu seguimento ao concerto dos stevensegal. Como já referimos, esta é uma banda assumidamente Go Veg! Por isso não é de estranhar que, em músicas como “Make a Choice”, esse seja o tema abordado na mesma. A banda liderada pelo mítico Rafael Madeira, mas com membros bem conhecidos na cena hardcore – membros de bandas como Pointing Finger, Broken Distance – vai buscar influências a bandas clássicas do hardcore straight edge nova iorquino como Judge ou Youth of Today. Um set que já presenciou alguma adesão por parte do público mas que, talvez pela rara oportunidade de ver Critical Point ao vivo – afinal, a banda poucas vezes sai do Algarve -, não está ainda familiarizada com a mesma. Mas, verdade se diga, é uma banda única em Portugal.
Os Cold Blooded, à partida, seriam a banda que, a nível sonoro, mais se desviava do restante cartaz. Mas tal, é igualmente sinónimo da ausência de barreiras que se quer num show de hardcore. Tal como o Rafa disse durante o show de Critical Point, seja straight edge, beatdown, ou o que quer que seja, estamos ali por um objectivo comum. Os Cold Blooded não se deram sequer ao trabalho de usar o – horrível – palco da Casa de Lafões (bom, excepto o baterista, claro). A banda apresentou pela primeira vez ao vivo o novo guitarrista e, como se previa, a diferença foi notória. Muito mais coeso e complexo o som da banda, que permitiu garantir uma maior flexibilidade ao nível da guitarra. Isto é, permitiu garantir ritmo à riffagem, algo que até agora não vinha sendo possível. A melhor contratação do defeso, sem dúvida. E foi, também, o show que, até à altura, presenciou um maior envolvimento entre banda e público – e, talvez por isso, não tenha sido inocente a opção por tocar no chão, e não no palco. “Watch Your Mouth” vai se já tornando um dos novos-clássicos do hardcore nacional.
Aos Pressure estava reservado o encabeçamento do cartaz e, como tal, a honra de fechar a tarde de concertos. Já ia longo o tempo que a banda não tocava na zona de Lisboa. Infelizmente não parece ter sido o tempo suficiente para fazer encher ainda mais a sala. Contudo, não foi por isso que, finalmente, não se viu um concerto hardcore – com todas as suas envolventes extra musicais – quase como mandam as regras. Daqueles com pessoas a mexerem-se e a cantar. Os Pressure, como sabemos, surgiram das cinzas dos Pointing Finger e, o mesmo é dizer, que inclui membros também dos Broken Distance. E, para além de tudo isto, é dizer, igualmente, que são membros com um andamento muito acima da média. Como tal, a nível musical, fora perfeitamente irrepreensível. Músicas novas, músicas da demo, e promessas que, dentro de um ano, haverão quatro músicas novas e um novo concerto em Lisboa. Porque, como anteviam quando começaram a banda, os Pressure querem fazer as coisas com calma. E, se a calma continua a trazer registos como o novo EP “Your Rage”, que se mantenha essa calma, que ninguém fica chateado. A finalizar, uma cover de Minor Threat (Filler), que incendiou por completo a Casa de Lafões, numa mostra do que é capaz o público nacional quando, finalmente, acorda.
O hardcore voltou à Casa de Lafões. Aliás, atrever-me-ia a dizer, que o hardcore com conteúdo voltou. Mais do que o normal, nos últimos tem-se assistindo a um cada vez maior conjunto de bandas que, para além da música, tem algo a dizer. Têm voltado os discursos de palco e, isso, é encorajador e motivador. É isso que distancia a cena punk hardcore de outras cenas, mais estritamente musicais. Há bancas de merch, há zines, há distros. Esperamos apenas que continue a haver pessoas!
Sem comentários:
Enviar um comentário