Quando nos anos 60 e 70, uma
significativa parte da população nacional compreendeu as necessidades de fazer
uma vida melhor lá fora, muitos rumaram a Oeste. Saíssem do território
continental, saíssem do território insular, era grande, a probabilidade, do primeiro país
que se encontrasse, horas e dias após o embarque, fossem os EUA. Massachussets
tornava-se, assim, o segundo estado americano com maior número de emigrantes de
origem lusa ou luso-descendentes. Perfaziam 4,4% da população total do estado
em 1990. Mas, no sentido inverso, não haverão grandes registos de fluxo migratório.
Mesmo que, orientado a este, Portugal seja, em princípio, o primeiro país a
surgir. Talvez por isso, também os Bane, tenham demorado cerca de 17 anos,
quase duas décadas após a sua formação, a descobrir Portugal. A visitar-nos.
Mesmo que, bandas como os Mental, há muito lhes tivessem dito o quão prazerosa
poderia ser essa visita. Mas o povo também diz que, o valor da tardia chegada,
é sempre maior que o da nunca chegada. E Cacilhas, como bom “porto” que é,
recebeu os Bane, finalmente em Portugal.
Numa noite em que os Metallica
pareciam omnipresentes, os Shape trataram de ir ao baú das diabruras buscar uma
surpreendente Hit the Lights. Num ambiente ainda frio, distante e com menos
público que aquele que seria de prever (sentimento comum a toda a noite), os
Shape demoraram algum tempo até finalmente agarrar o público. Terá acontecido
já pelo meio do seu set, com Life’s Hard. Não ficaram por revelar mais
surpresas, apesar da expectativa em ouvir X-Acto. Mas os Shape não são uma
banda de covers e, por isso, quando Vampires, WYLD ou Rotten Inside entram em
palco não há espaço para muito mais. Nem para a vergonha ou frieza. E o público
finalmente lá se solta. O resto, é o que já todos sabemos.
Em estreia absoluta na Europa, os
Rotting Out são uma das mais excitantes bandas novas do hardcore americano. Afinal,
“Street Prowl” havia sido recebido no ano transacto como um dos grandes.
Naquela que poderá ter sido uma das mais interessades lutas pela beleza
pessoal, cremos Walter Benjamin possa ter sido desqualificado por falta de
dentes. Mas a vida é assim. Tanto tira, como dá. E Walter Benjamin poderá não
ser um sex symbol capaz de fazer vídeos onde em cada take surge com o guarda
roupa remodelado, mas compensa tocando baixo nos Alpha & Omega ou sendo a
cara dos Minority Unit. E é de música, de conteúdo que gostamos. Os Rotting Out
estreavam-se na europa e, talvez por isso, tenham querido abrir o concerto em
grande. “Laugh Now, Die Later” foi como uma chapada de luva branca. E a sala
rendeu-se aos californianos. De presença inesgotável em palco, a banda e,
especialmente, o seu vocalista, viram-se a braços com os irritantes problemas
técnicos, a nível de microfone, que parecem ter limitado bastante esta estreia
em Portugal, ou não tivessem arruinado por completo, para seu desespero, “Dead
to Me”. A banda revisitou não só o seu LP, como foi ainda buscar músicas a
Vandalized (“Skin”) e à sua demo (“Kobe Bryant Lifestyle” e “Positive Views”).
Num daqueles volte-face
surpreendentes, que por vezes ocorrem, os Cruel Hand formaram um culto muito
próprio, que os tornou tanto ou mais relevantes que o seu suposto projecto
principal: os Outbreak. Mas, não mais uma side project, os Cruel Hand lançaram
alguns dos mais relevantes registos do hardcore mais recente, como o são Prying
Eyes ou Without a Pulse. São, também, uma das figuras principais da,
relativamente recente, trend do Metallica-core. Algo que, diria, exibem orgulhosamente
em tshirts tie dye. De boas recordações nacionais, fruto de vários concertos
tocados no ano passado com os ColdBlooded, os Cruel Hand pareciam surpresos com
a recepção que iam recebendo ao longo do desfile de “hits” que iam
providenciando. Das mais antigas “Under the Ice” ou “Crashing Down”, às mais
recentes “Day or Darkness”, “Two Fold”, “Lock n Key” ou “One Cold Face”, num
set onde não faltou a óbvia “Life in Shambles”. E quando uma banda termina um
concerto sucedendo “Hounds”, “Dead Weight” e “Begin Descension” pouco mais
resta dizer. Sólido, pesado e groovy. Assim são os Cruel Hand.
Um sentimento agridoce fica,
quando uma das mais importantes bandas dos últimos 20 anos e, seguramente, uma
das mais influentes, nos visita pela primeira vez e a sala não está cheia. Não
está a abarrotar. Não é, apesar de tudo, algo que tire da memória num futuro
longo, o concerto dos Bane. Mesmo que, para isso, a banda tenha de entrar de pé
esquerdo com Speechless, que não esteve à altura da expectativa. Como não teve,
a ausência de músicas como Ante Up ou The Young and the Restless, num algo
incompreensível set de 10 músicas. Felizmente, também diz o povo que a
qualidade se sobrepõe, frequentemente, à quantidade. E foi com a intensidade, e
a sensibilidade, de músicas como As the World Turns, My Therapy, ou Swan Song –
a acabar de forma memorável o concerto – que a banda nos convence. Que como que
nos pede desculpa por só agora chegarem. E nós desculpamos. Cantando em
uníssono Count me Out, Ali vs Frazier ou Superhero. Invadindo o palco em Can We Start Again. E,
afinal, poderíamos começar de novo?