03/05/2012

Rise and Fall @ Cacilhas



Falar do hardcore belga, é confundir religiosidade com música. É ilustrar fonética e sonoramente a ascenção do capeta à terra; a subida de Dante e Virgílio ao Monte do Purgatório. É acompanhar, dar uma banda sonora, a obras de Rembrandt ou Eustache Le Sueur. É, imaginar, Gustav Doré e Stradamus na voz e guitarra de uma qualquer banda assinada pela Goodlife Records, nos tempos áureos da H8000. E, os Rise and Fall são, em 2012, tudo isto. Os, talvez maiores, herdeiros do legado deixado por bandas como os Liar, os Congress ou os Arkangel. Estiveram de regresso a Portugal, acompanhados pelos A Thousand Words e pelos For the Glory em três datas.

Os A Thousand Words vão vivendo o seu melhor momento após a reformulação da banda. Com “Sinners”, o seu novo EP, acabado de sair – registo que, acreditamos, se tornará referência incontornável do hardcore mais moderno nacional -, coube à banda que se vai desdobrando entre Pombal e o Algarve, dar início a toda esta ascenção demoníaca. Foi, precisamente, com base em “Sinners”, que os A Thousand Words compuseram um set que foi, ainda, complementado por intros vindas dos tempos em que a banda era, digamos, mais nova-iorquina. Os A Thousand Words são, em 2012, um dos nomes mais fortes do panorama hardcore nacional. “Sinners” prova-o. As actuações, isentas de falhas, coesas e, cada vez mais, fluidas em palco, também. “Absentee Debate” dos Unbroken precipitou o fim de um set em que os A Thousand Words terminam com a, também, música final de “Sinners”: “Crosses”.

Os We Are the Damned, banda convidada para a data “lisboeta” da mini tour dos Rise and Fall, encarava o palco de Cacilhas acompanhados por um alinhamento da bandas que, talvez, não lhes fosse o mais confortável. Nada mais errado. Como, aliás, alguém disse, este death ‘n roll, influenciado por bandas como os Celtic Frost ou os Venom, pode até nem ser o mais puro dos hardcores, mas a essência está lá. E, afinal, o underground é só um e imune a estilos, prateleiras e catalogações. Os We Are the Damned trouxeram - para além de Mike Ghost numa das guitarras - um alinhamento focado em Holy Beast, o seu mais recente álbum e que, ao longo de meia hora, tratou de dizimar as almas presentes no Revolver Bar, quais devoradores da morte.

A dar os últimos concertos em Portugal antes de embarcar no carrossel da europa e, depois, da vida, que é como quem diz, antes de ir de férias por um tempo indeterminado, os For the Glory trocaram as voltas ao mundo e foi a sobrevivência do mais forte logo de início. O bem composto Revolver Bar deu, finalmente, sinal de vida. Um concerto de For the Glory é sempre isto. Festa. Mesmo que a ocasião comece a ser de despedida. Mas, ainda antes de dizer adeus, sabemos que haverá um split, um 7’’, com os alemães World Eater – que ainda há pouco tempo visitaram o nosso país. “Life’s a Carrossel” foi o primeiro avanço que se pôde escutar desse registo. Num set que é sempre um desfilar de êxitos, os For the Glory não quiseram deixar de dedicar “All the Same” aos We are the Damned. Afinal, como também já escrevemos, estamos todos no mesmo barco. Bem como “Some Kids Have no Face” dedicada aos esforços, aparentemente inglórios, do movimento es.col.a. “Armor of Steel” encerrou o set da banda, numa actuação que foi, como sempre, à prova de bala.

Destinados a invocar demónios que nem sabíamos existir, os Rise and Fall trazem consigo uma aura que só bandas muito especiais a encerram. Tal como, só bandas muito especiais, iniciam um set curto, mas devastador, logo com “Deceiver” e “Forked Tongues”. A banda da Deathwish é, possivelmente, uma das bandas europeias mais importantes aos dias de hoje. Um banda que pisca o olho não só ao hardcore, mas que vai mais longe. Vai ao metal, vai ao crust. Oferece um som sujo, técnico, ao qual o som do Revolver Bar não soube estar à altura. Quer pelo embaraço do mesmo, numa núvem sonora pouco perceptível e definida, quer pelo desajuste do volume dos diferentes componentes musicais. Uma banda que, mesmo não puxando propriamente pelas danças tradicionais ou pelo sing a long, consegue embrenhar o público. O tempo parece passar demasiado depressa. Depressa até que somos abanados violentamente ao som de “Hidden Hands” e “Bottom Feeder”. Seguidas. Como se não houvesse piedade. Mas os belgas conseguem algo que todas as bandas querem. São melhores a cada disco que passa. “Breathe” – que o próprio vocalista apelida de música mais calma do disco – ou “Faith/Fate” com a qual encerram o set, mostram uns Rise and Fall mais arrastados. Mais técnicos. Mais músicos. Mais... perfeitos. A atitude, quase de possessão mas estranhamente calma, do vocalista, contrasta com os constantes movimentos de serra eléctrica dos guitarristas. Os Rise and Fall são intocáveis e, tanto em palco, como em disco, são intensos.  São imensos. Tudo o que sabemos, é que estes mestres do feedback, podem até falar de esperança perdida, de buscas pelo caminho na vida, mas uma coisa é certa: não queremos procurar mais, não precisamos, o caminho do que queremos ouvir ou ver. Isso sabemos. São os Rise and Fall.