Falar do hardcore belga, é
confundir religiosidade com música. É ilustrar fonética e sonoramente a
ascenção do capeta à terra; a subida de Dante e Virgílio ao Monte do
Purgatório. É acompanhar, dar uma banda sonora, a obras de Rembrandt ou
Eustache Le Sueur. É, imaginar, Gustav Doré e Stradamus na voz e guitarra de
uma qualquer banda assinada pela Goodlife Records, nos tempos áureos da H8000. E,
os Rise and Fall são, em 2012, tudo isto. Os, talvez maiores, herdeiros do
legado deixado por bandas como os Liar, os Congress ou os Arkangel. Estiveram
de regresso a Portugal, acompanhados pelos A Thousand Words e pelos For the
Glory em três datas.
Os A Thousand Words vão vivendo o
seu melhor momento após a reformulação da banda. Com “Sinners”, o seu novo EP,
acabado de sair – registo que, acreditamos, se tornará referência incontornável
do hardcore mais moderno nacional -, coube à banda que se vai desdobrando entre
Pombal e o Algarve, dar início a toda esta ascenção demoníaca. Foi,
precisamente, com base em “Sinners”, que os A Thousand Words compuseram um set
que foi, ainda, complementado por intros vindas dos tempos em que a banda era,
digamos, mais nova-iorquina. Os A Thousand Words são, em 2012, um dos nomes
mais fortes do panorama hardcore nacional. “Sinners” prova-o. As actuações,
isentas de falhas, coesas e, cada vez mais, fluidas em palco, também. “Absentee
Debate” dos Unbroken precipitou o fim de um set em que os A Thousand Words terminam
com a, também, música final de “Sinners”: “Crosses”.
Os We Are the Damned, banda
convidada para a data “lisboeta” da mini tour dos Rise and Fall, encarava o
palco de Cacilhas acompanhados por um alinhamento da bandas que, talvez, não
lhes fosse o mais confortável. Nada mais errado. Como, aliás, alguém disse,
este death ‘n roll, influenciado por bandas como os Celtic Frost ou os Venom,
pode até nem ser o mais puro dos hardcores, mas a essência está lá. E, afinal,
o underground é só um e imune a estilos, prateleiras e catalogações. Os We Are
the Damned trouxeram - para além de Mike Ghost numa das guitarras - um
alinhamento focado em Holy Beast, o seu mais recente álbum e que, ao longo de
meia hora, tratou de dizimar as almas presentes no Revolver Bar, quais
devoradores da morte.
A dar os últimos concertos em
Portugal antes de embarcar no carrossel da europa e, depois, da vida, que é
como quem diz, antes de ir de férias por um tempo indeterminado, os For the
Glory trocaram as voltas ao mundo e foi a sobrevivência do mais forte logo de
início. O bem composto Revolver Bar deu, finalmente, sinal de vida. Um concerto
de For the Glory é sempre isto. Festa. Mesmo que a ocasião comece a ser de
despedida. Mas, ainda antes de dizer adeus, sabemos que haverá um split, um
7’’, com os alemães World Eater – que ainda há pouco tempo visitaram o nosso
país. “Life’s a Carrossel” foi o primeiro avanço que se pôde escutar desse
registo. Num set que é sempre um desfilar de êxitos, os For the Glory não
quiseram deixar de dedicar “All the Same” aos We are the Damned. Afinal, como
também já escrevemos, estamos todos no mesmo barco. Bem como “Some Kids Have no
Face” dedicada aos esforços, aparentemente inglórios, do movimento es.col.a. “Armor
of Steel” encerrou o set da banda, numa actuação que foi, como sempre, à prova
de bala.
Destinados a invocar demónios que
nem sabíamos existir, os Rise and Fall trazem consigo uma aura que só bandas
muito especiais a encerram. Tal como, só bandas muito especiais, iniciam um set
curto, mas devastador, logo com “Deceiver” e “Forked Tongues”. A banda da
Deathwish é, possivelmente, uma das bandas europeias mais importantes aos dias
de hoje. Um banda que pisca o olho não só ao hardcore, mas que vai mais longe.
Vai ao metal, vai ao crust. Oferece um som sujo, técnico, ao qual o som do
Revolver Bar não soube estar à altura. Quer pelo embaraço do mesmo, numa núvem
sonora pouco perceptível e definida, quer pelo desajuste do volume dos
diferentes componentes musicais. Uma banda que, mesmo não puxando propriamente
pelas danças tradicionais ou pelo sing a long, consegue embrenhar o público. O
tempo parece passar demasiado depressa. Depressa até que somos abanados
violentamente ao som de “Hidden Hands” e “Bottom Feeder”. Seguidas. Como se não
houvesse piedade. Mas os belgas conseguem algo que todas as bandas querem. São
melhores a cada disco que passa. “Breathe” – que o próprio vocalista apelida de
música mais calma do disco – ou “Faith/Fate” com a qual encerram o set, mostram
uns Rise and Fall mais arrastados. Mais técnicos. Mais músicos. Mais...
perfeitos. A atitude, quase de possessão mas estranhamente calma, do vocalista,
contrasta com os constantes movimentos de serra eléctrica dos guitarristas. Os
Rise and Fall são intocáveis e, tanto em palco, como em disco, são intensos. São imensos. Tudo o que sabemos, é que estes
mestres do feedback, podem até falar de esperança perdida, de buscas pelo
caminho na vida, mas uma coisa é certa: não queremos procurar mais, não
precisamos, o caminho do que queremos ouvir ou ver. Isso sabemos. São os Rise
and Fall.
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