Outrora distribuido por grande
parte da Península, o lobo ibérico viu, desde 1940, a sua população total
reduzir-se de forma drástica. Em Portugal, esta sub-espécie, passou a
concentrar-se somente na zona norte do país, uma distribuição que não excederá
uns modestos 18 000 km2, cerca de um quarto do território total espanhol pelo
qual o lobo ibérico se dispersa. E, como em grande parte da actuação humana,
primeiro destrói-se e, depois, então, remedeia-se. Um dos grupos que sentiu que
era altura de travar a destruição de uma espécie única e que, desde 1985, tem
um papel importantíssimo na preservação do lobo ibérico, é o Grupo Lobo, ao
qual os For the Glory se associaram e, para o qual, o concerto da República daMúsica reverteu.
Também em vias de extinção estão
bandas como os One Last Struggle e seria interessante, também, ter um concerto
que revertesse para este tipo de problemática. Mais a sério, os One Last Struggle pertencem a uma génese de banda que, cada vez mais, parece não ser
cool enough, para o público do hardcore. Vivemos num tempo em que tudo é fácil.
Tudo é efémero. Tudo é vazio e transparente. Questionar é aborrecido. Pensar dá
demasiado trabalho. Mas o hardcore sempre se pautou por ser mais que música,
mesmo que essa não pareça ser a dinâmica actual e, é por isso, que um cartaz
com bandas como os One Last Struggle, os Challenge, os Shape e os For theGlory, tem de ser um cartaz que urge preservar. Os One Last Struggle, como
banda nova, surgem como uma espécie de pedrada no charco na passividade que
vinha reinando. Traz de volta a ética, a intervenção política, a militância
intervencionista de uns longíquos anos 80, ou de uns, não tão longíquos,
Refused ou Verse. Fruto de um incomum, mas
aprazível, início a horas do show, os One Last Struggle actuaram para pouca
gente - alguns não se terão apercebido que as portas já haviam aberto. Como banda nova e, ainda sem nada lançado, os
One Last Struggle terão conseguido aguçar a cusiosidade dos presentes. Nós por
cá ficaremos para watch them rise.
Ver Challenge em 2012 é como viajar
no tempo. O tempo de um hardcore sem merdas. Feroz, voraz, visceral. Aquele
feeling de desatar tudo à bofetada e a correr em círculos. Houve, até, tempo
para recuperar o circle pit em concertos de hardcore, também eles, uma espécie
em extinção. Challenge é uma daquelas bandas que não engana. É rápido. É
objectivo. Tocam Sick of it All e Floorpunch (No Exceptions com o Diogo de SYC)
e têm uma demo mesmo à antiga. É mais que uma banda. Os Challenge tiveram o
condão de acordar da letargia as Caldas da Rainha e tornaram a cidade num dos
principais pólos contra culturais do nosso país. Um dos principais pólos do
hardcore nacional. E, em Outubro de 2012, os Challenge são já uma das grandes
bandas nacionais, uma das bandas que já tem o seu público. Já atingiram um
estatuto em que as pessoas já conhecem as letras. Já cantam. Já dançam. Já
correm em círculos. Já rasgam roupa e exemplificam o que é um concerto à caldas
em plena Alvalade.
A incógnita imperava em alguns.
Após algum tempo de descanso de concertos, como seria a reacção do público aos
Shape. Afinal, teria o hype esmorecido ou, a banda, já havia cimentado a sua
posição no hardcore nacional de tal maneira que nem mesmo alguns meses sem
tocar ao vivo tivesse tornado a banda em mais uma vítima deste mundo efémero. A
resposta é dada assim que a banda dá os primeiros acordes. Aliás, ainda antes
disso. Sabem aquele fosso, ou círculo, que se monta sempre em frente ao palco,
como que com medo de bandas ou ninjas mais, ou menos, invisíveis? É coisa do
passado. Sabem aqueles shows que gostamos de ver no computador, com filas
compactas de gente aos pulos, de punho cerrado e a cantar como se a não
existência de um iminente apocalipse disso dependesse, em frente do palco?
Isso, sim, é coisa do presente. E Shape, actualmente, é isto. Uma injecção de
compreensão. Uma compreensão mútua. Uma comunhão total entre banda e público.
Durante 30 minutos nada mais interessa. Só aqueles acordes e aquelas letras. Tão
certas. Tão incisivas. É uma banda que vale por si. Uma daquelas bandas, que só
eles, conseguiriam ir às fundações, abrir o baú e, de lá, retirar No Spiritual Surrender de Inside Out. Para breve, ficamos a saber que estará uma nova
edição prevista, que contará com novas e antigas músicas da banda.
Por esta altura (e antes disso,
há que realçar), já eram mais de duzentas pessoas que compunham a República da
Música. Mais de duzentas pessoas que se associaram a uma importante causa. Que
fizeram, mais uma vez, mais que música de um simples concerto de hardcore.
E, destas mais de duas centenas
de pessoas, muitas delas aguardavam com alguma impaciência o concerto dos Forthe Glory. Muitas delas pela primeira vez. Muitas delas mais novas nisto do
hardcore que a primeira que, quem vos escreve, foi a um concerto de hardcore. E
que compensador é ver miúdos e miúdas, no alto dos seus 15/16 anos, a ostentar
orgulhosamente a camisola de uma banda que, quando apareceu no Campo Grande,
ali ao lado, a primeira vez, ainda eles estariam, porventura, na escola
primária. E nada é por acaso. Assim que se houve o primeiro riff de uma, mais
que cansada banda (corre a lenda que foram centenas de km de viagem quase ininterrupta
desde o Reino de Castela), a força da juventude imperou. Corpos a voar. Corpos
amontoados. Corpos a dançar. Corpos aos pulos por toda uma sala que se
concentrava compactamente junto daqueles que vieram ver. Um feeling especial
que faz deste tipo de concertos, memorável. Para o público e para a banda.
Mais de duzentas pessoas
abraçaram a causa de uma organização que, ao longo dos anos, tem lutado por uma
causa especial, uma causa maior, em nome da diversidade animal. É nosso dever,
enquanto ser humano, preservar as espécies que habitam o nosso planeta, tenham
elas mais, ou menos, utilidade prática (não, espetar bandeirilhas em lombos não
é uma utilidade prática). E, enquanto isto não acontece, respeitando o habitat
natural dessas mesmas espécies, acontece com o apoio a instituições que visam
salvaguardar o bem estar dessas mesmas espécies. Ao Grupo Lobo foi dado um
obrigado por todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos na ajuda à
preservação do lobo Ibérico. Porque desistir é impossível. Porque isto, é hardcore.