13/10/2012

For the Glory + Shape + Challenge + One Last Struggle @ Alvalade




Outrora distribuido por grande parte da Península, o lobo ibérico viu, desde 1940, a sua população total reduzir-se de forma drástica. Em Portugal, esta sub-espécie, passou a concentrar-se somente na zona norte do país, uma distribuição que não excederá uns modestos 18 000 km2, cerca de um quarto do território total espanhol pelo qual o lobo ibérico se dispersa. E, como em grande parte da actuação humana, primeiro destrói-se e, depois, então, remedeia-se. Um dos grupos que sentiu que era altura de travar a destruição de uma espécie única e que, desde 1985, tem um papel importantíssimo na preservação do lobo ibérico, é o Grupo Lobo, ao qual os For the Glory se associaram e, para o qual, o concerto da República daMúsica reverteu.

Também em vias de extinção estão bandas como os One Last Struggle e seria interessante, também, ter um concerto que revertesse para este tipo de problemática. Mais a sério, os One Last Struggle pertencem a uma génese de banda que, cada vez mais, parece não ser cool enough, para o público do hardcore. Vivemos num tempo em que tudo é fácil. Tudo é efémero. Tudo é vazio e transparente. Questionar é aborrecido. Pensar dá demasiado trabalho. Mas o hardcore sempre se pautou por ser mais que música, mesmo que essa não pareça ser a dinâmica actual e, é por isso, que um cartaz com bandas como os One Last Struggle, os Challenge, os Shape e os For theGlory, tem de ser um cartaz que urge preservar. Os One Last Struggle, como banda nova, surgem como uma espécie de pedrada no charco na passividade que vinha reinando. Traz de volta a ética, a intervenção política, a militância intervencionista de uns longíquos anos 80, ou de uns, não tão longíquos, Refused ou Verse.  Fruto de um incomum, mas aprazível, início a horas do show, os One Last Struggle actuaram para pouca gente - alguns não se terão apercebido que as portas já haviam aberto.  Como banda nova e, ainda sem nada lançado, os One Last Struggle terão conseguido aguçar a cusiosidade dos presentes. Nós por cá ficaremos para watch them rise.

Ver Challenge em 2012 é como viajar no tempo. O tempo de um hardcore sem merdas. Feroz, voraz, visceral. Aquele feeling de desatar tudo à bofetada e a correr em círculos. Houve, até, tempo para recuperar o circle pit em concertos de hardcore, também eles, uma espécie em extinção. Challenge é uma daquelas bandas que não engana. É rápido. É objectivo. Tocam Sick of it All e Floorpunch (No Exceptions com o Diogo de SYC) e têm uma demo mesmo à antiga. É mais que uma banda. Os Challenge tiveram o condão de acordar da letargia as Caldas da Rainha e tornaram a cidade num dos principais pólos contra culturais do nosso país. Um dos principais pólos do hardcore nacional. E, em Outubro de 2012, os Challenge são já uma das grandes bandas nacionais, uma das bandas que já tem o seu público. Já atingiram um estatuto em que as pessoas já conhecem as letras. Já cantam. Já dançam. Já correm em círculos. Já rasgam roupa e exemplificam o que é um concerto à caldas em plena Alvalade.  

A incógnita imperava em alguns. Após algum tempo de descanso de concertos, como seria a reacção do público aos Shape. Afinal, teria o hype esmorecido ou, a banda, já havia cimentado a sua posição no hardcore nacional de tal maneira que nem mesmo alguns meses sem tocar ao vivo tivesse tornado a banda em mais uma vítima deste mundo efémero. A resposta é dada assim que a banda dá os primeiros acordes. Aliás, ainda antes disso. Sabem aquele fosso, ou círculo, que se monta sempre em frente ao palco, como que com medo de bandas ou ninjas mais, ou menos, invisíveis? É coisa do passado. Sabem aqueles shows que gostamos de ver no computador, com filas compactas de gente aos pulos, de punho cerrado e a cantar como se a não existência de um iminente apocalipse disso dependesse, em frente do palco? Isso, sim, é coisa do presente. E Shape, actualmente, é isto. Uma injecção de compreensão. Uma compreensão mútua. Uma comunhão total entre banda e público. Durante 30 minutos nada mais interessa. Só aqueles acordes e aquelas letras. Tão certas. Tão incisivas. É uma banda que vale por si. Uma daquelas bandas, que só eles, conseguiriam ir às fundações, abrir o baú e, de lá, retirar No Spiritual Surrender de Inside Out. Para breve, ficamos a saber que estará uma nova edição prevista, que contará com novas e antigas músicas da banda.

Por esta altura (e antes disso, há que realçar), já eram mais de duzentas pessoas que compunham a República da Música. Mais de duzentas pessoas que se associaram a uma importante causa. Que fizeram, mais uma vez, mais que música de um simples concerto de hardcore.

E, destas mais de duas centenas de pessoas, muitas delas aguardavam com alguma impaciência o concerto dos Forthe Glory. Muitas delas pela primeira vez. Muitas delas mais novas nisto do hardcore que a primeira que, quem vos escreve, foi a um concerto de hardcore. E que compensador é ver miúdos e miúdas, no alto dos seus 15/16 anos, a ostentar orgulhosamente a camisola de uma banda que, quando apareceu no Campo Grande, ali ao lado, a primeira vez, ainda eles estariam, porventura, na escola primária. E nada é por acaso. Assim que se houve o primeiro riff de uma, mais que cansada banda (corre a lenda que foram centenas de km de viagem quase ininterrupta desde o Reino de Castela), a força da juventude imperou. Corpos a voar. Corpos amontoados. Corpos a dançar. Corpos aos pulos por toda uma sala que se concentrava compactamente junto daqueles que vieram ver. Um feeling especial que faz deste tipo de concertos, memorável. Para o público e para a banda.

Mais de duzentas pessoas abraçaram a causa de uma organização que, ao longo dos anos, tem lutado por uma causa especial, uma causa maior, em nome da diversidade animal. É nosso dever, enquanto ser humano, preservar as espécies que habitam o nosso planeta, tenham elas mais, ou menos, utilidade prática (não, espetar bandeirilhas em lombos não é uma utilidade prática). E, enquanto isto não acontece, respeitando o habitat natural dessas mesmas espécies, acontece com o apoio a instituições que visam salvaguardar o bem estar dessas mesmas espécies. Ao Grupo Lobo foi dado um obrigado por todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos na ajuda à preservação do lobo Ibérico. Porque desistir é impossível. Porque isto, é hardcore.

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