Lisboa respondeu à chamada e encheu o Clube Recreativo dos Anjos para receber uma das principais bandas do hardcore europeu. Já bem longe vai o anonimato que vestia os franceses quando, em 2010, Leiria os recebeu. Convenhamos, se a "You, Me and the Violence", lançado no ano passado, não bastasse ser editado pela, discutivelmente, maior/melhor label da actualidade, o mesmo é ainda uma referência qualitativa da música mais pesada dos últimos tempos.
Lisboa vive uma nova era no que ao hardcore diz respeito e, curiosamente, são vanguardistas da mesma (e da anterior), a No Borders. Vivendo um pós-FLULcore, Lisboa recebe, agora, mais uma inusitada sala, bem à porta do metro; certamente - como todas - mais habituada a outras lides musicais. A verdade, é que já há algum tempo uma sala não servia tão bem os seus propósitos. Só podemos apelar a que, salvo interferências exteriores ao hardcore, esta seja uma sala a manter e a estimar por todos.
Os Birds, vindos de Pombal, estrearam-se finalmente em Lisboa. Com uma recente demo editada, a banda abriu a tarde com a sua sonoridade mais negra. Não há muitas bandas que se possam gabar de soar tão sólidas, com tão boa postura de palco, na sua etapa inicial. Mas, convenhamos, apesar de novos em idade, os Birds já vão tendo alguma experiência. Com o eterno sindroma de banda de abertura, acentuado por um outro, o de banda recente, os Birds não chegaram a conseguir agarrar mais que a atenção do público presente na sala - e na escada à espera de entrar -, nem aquando de uma cover de Rise and Fall. É algo que virá com o tempo.
No que à sonoridade diz respeito, convenhamos que a coisa não ficou muito mais... luminosa, com a entrada dos Arson em palco. A promessa de que "we'll burn this world, and raise it right after it falls" não pode fazer mais sentido. Com um crust dilacerante, assente numa dupla vocalização e numa bateria devastadora, os Arson cantam a destruição da civilização como a conhecemos. A verdade, é que se esta é a banda sonora oficial do fim do mundo, metemos as fichas todas na mesa.
A derradeira perda de vergonha chegou, finalmente, com os Revengeance. A banda dava o mote - "mexam-se caralho" -, afinal, ali não havia espaço para estátuas. E quando, num concerto de hardcore à séria, se toca Infest e Negative Approach, não há mesmo espaço para estátuas. Mesmo que o chão da sala trema de tal forma que temamos pela nossa saúde - em relação a questões de saúde, ainda temos de falar sobre assuntos mais à frente.
Intituidos de vez como uma das principais bandas de hardcore no nosso país os A Thousand Words continuam a apresentar o seu recente EP Sinners, pontuado com a surpresa no set ao ir recrutar à demo a música Down, continuando a distribuir lições de história através de Absentee Debate dos Unbroken. Por esta altura a música dos A Thousand Words já não tem segredos, por isso não é de estranhar que, praticamente desde o primeiro acorde, se solte o reboliço total frente ao palco.
Não acontecem muitos concertos como o dos Birds in Row, seja em Portugal, seja onde quer que seja. Não é usual acontecer tamanha comunhão entre uma banda e um público com o que aconteceu em Lisboa - e no Porto, segundo reza a lenda, e que levou a banda a considerar os dois concertos como os melhores de sempre. Desde o primeiro segundo que uma massa corporal se colou junto ao palco, fundindo banda e público, não dando lugar, sequer, à possibilidade da banda pedir o que quer que seja do público. E, quando uma banda dá aquilo que os Birds in Row nos dão, nos deram, só assim podemos retribuir. É um amor que não precisa de palavras. Alimenta-se de música, de acordes, de riffs, de stage dives. De músicas como A Kid Called Dreamer ou You, Me and the Violence, onde o amor entre público e banda atingiu o êxtase. Há concertos que nos enchem e, este, foi um deles.
O Clube Recreativo dos Anjos tem tudo para se tornar a nova referência do hardcore lisboeta. Cabe a todos a preservação da sala para que, salvo interferências extra hardcore, a mesma se mantenha à disposição de todos. Mas, esta preservação, vai além de questões materiais. Faz-se, também, de preservação humana. Entrar na sala entre concertos tornava-se uma tarefa quase desumana. Devemos ter a liberdade de fazer o que queremos, desde que essa liberdade não esbarre na liberdade alheia. É uma conversa velha. Mas, numa sala pequena, cheia, sem janelas e apenas uma porta principal, que nem dá directamente para a rua, torna-se irresponsável fumar no interior da mesma. O ar torna-se irrespirável e, quem sofre, mais do que o próprio público mais sensível a estas questões, que vão muito além de certas filosofias de vida, são as próprias bandas.
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