22/11/2012

A Thousand Words + LIFEDECEIVER + Northern Blue + One Last Struggle @ IST




Concertos punk/hardcore em Lisboa, em 2012, num período temporal que já se vem arrastando, tem, por esta altura, um nome próprio: No Borders, DIY Bookings. A pergunta não é inocente e fá-la Vitor Moura, o novo vocalista dos LIFEDECEIVER: Afinal, há alguém mais a organizar concertos em Lisboa?  Felizmente há (não podemos esquecer, nunca, o trabalho da Hellxis, do Congas, de pessoal de Loures e outros pontuais, quer de Lisboa, quer da Margem Sul), mas o que importa ressalvar é a importância que a No Borders tem tido. A sua contribuição para a respiração, natural e fluída  da cena punk hardcore de Lisboa - decerto quererão estar atentos ao que a booker irá trazer nos próximos tempos a Portugal. Quer porque vai desencantando salas pela cidade, quer porque vai aproximando, por isso mesmo, públicos não tão habituados a este tipo de som. Mas, principalmente, porque há sempre algo que lateja aquando dos concertos organizados pela No Borders: isto, ainda, é mais que música. Ricardo Martins, vocalista dos Northern Blue corrobora-o durante o set da banda, e os A Thousand Words disso fazem premissa, ao serem possibilitados de visitar a Europa fazendo aquilo que gostam mais. E era, essencialmente disto, que se tratava a noite. Afinal, o Instituto Superior Técnico recebia a primeira data da tour Europeia da banda.

A inusitada sala viu, por algumas horas, a sua função desvirtuada. Os jantares deram lugar a acordes e, bem composta, de forma crescente, ao longo da noite, a sala recebeu os excitantes One Last Struggle, a quem coube a função de abrir a noite. Falar dos One Last Struggle é remeter sempre para o mesmo: conteúdo. Há poucas bandas que encerram tanto feeling e tanto conteúdo nas suas músicas. Menos haverão que, com um estilo e sentido musical mais ligado a anos recentes do hardcore (vide Verse, Have Heart, Bane, etc), mantenha uma postura lírica e interventiva bem própria de bandas mais antigas. Tudo isto faz ainda mais sentido quando a banda finaliza com Spoken Part dos extintos (e icónicos), New Winds. 

Mas esta aura de fantasmas do passado não se encerrou com o fim do set dos One Last Struggle. Três quartos dos Day of the Dead estavam ali. Estavam ali a preparar a sua actuação. Estavam ainda membros/ex membros de Ghostdown, No Good Reason, WAKO, numa autêntica super banda. Mas uma banda não se faz somente de nomes, faz-se de música. E desde o primeiro momento em que os Northern Blue se iniciam, fica para a posterioridade a lembrança que, este, é todo um outro nível. Os Northern Blue vão muito além do que seria normal de uma banda de hardcore. As músicas são mais longas, são mais arrastadas. Têm passagens ambientais. Têm instrumentais exímios e têm muita arte. Têm, acima de tudo, uma alma que não passível de se limitar aos terrenos limítrofes da condição humana. Um concerto de Northern Blue extravasa o seu conteúdo musical. É assistir a um pedaço de cultura cantada.

Nesta altura ressalta algo, não à vista, mas à audição. Algo que, parece, não se cingir a concertos mais mainstream, onde os valores do hardcore pouco ou nada dizem a quem por lá pulula. Algo que, acima de tudo, e infelizmente, parece ser um mal geral. Há um intolerável défice de concentração por parte dos públicos. Há demasiado interesse em tudo o que rodeia o concerto em vez do concerto em si. Um concerto de hardcore passa muito por aquilo que é transmitido pela banda, não musicalmente, porque isso ouvimos em casa, mais aquele algo mais que nos podem transmitir. Aquelas palavras sábias que são verbalizadas entre músicas. E, isso, é algo que nunca vamos recuperar quando ouvimos um álbum. 

De formação renovada os LIFEDECEIVER trouxeram a sua music made from deceit e dizimaram os presentes com uma atuação, ora metralhicamente compressora, ora cilindricamente compressora. Ora fulminante, ora pestilenta. O mesmo é dizer que, na sua versatilidade, os LIFEDECEIVER tanto conseguem ir de um ritmo infernal, quase desumano, irrespirável, para um ritmo que quebra dorsais pela sua imponência. E é, aqui, que a banda mais se destaca. O sludge, doom, stoner, nunca foram escondidos, desde o início e com outras formações. Mas, é nesta combinação extrema, que reside a identidade da banda e a torna num ícone incontornável da cena punk hardcore nacional. Afinal, não há nada como os LIFEDECEIVER. E nem um novo vocalista o pode mudar, principalmente, quando o mesmo acenta melhor que uma luva lubrificada. 

Mas a noite era, mais do que em muitos outros concertos, dos A Thousand Words. Afinal, esta era a data que marcava o inicio de uma viagem de cerca de 15 dias pela Europa, que terminará dia 2 de Dezembro no Porto. E a melhor imagem que os A Thousand Words poderão levar de Portugal é todo o carinho e apadrinhamento que a banda recebeu desde que Crosses iniciou a caminhada da banda, até aos momentos que partilhou, ora com Ricardo Martins (Absentee Debate dos Unbroken), ora com o público. Quer através dos seus originais (com Sinners sempre no principal plano, e a Intro repescada à demo), quer das covers que trouxe para tour (Absentee Debate de Unbroken, já referida, mas também Bottom Feeder de Rise and Fall). 

Seria difícil que os A Thousand Words levassem uma melhor imagem de Lisboa, e de Portugal, na bagagem, que uma sala muito bem composta  e participativa qb. Mas, o que interessa, é que a tour lhes corra pelo melhor. E, por isso, o 4theKids só lhes pode desejar a maior sorte.

13/10/2012

For the Glory + Shape + Challenge + One Last Struggle @ Alvalade




Outrora distribuido por grande parte da Península, o lobo ibérico viu, desde 1940, a sua população total reduzir-se de forma drástica. Em Portugal, esta sub-espécie, passou a concentrar-se somente na zona norte do país, uma distribuição que não excederá uns modestos 18 000 km2, cerca de um quarto do território total espanhol pelo qual o lobo ibérico se dispersa. E, como em grande parte da actuação humana, primeiro destrói-se e, depois, então, remedeia-se. Um dos grupos que sentiu que era altura de travar a destruição de uma espécie única e que, desde 1985, tem um papel importantíssimo na preservação do lobo ibérico, é o Grupo Lobo, ao qual os For the Glory se associaram e, para o qual, o concerto da República daMúsica reverteu.

Também em vias de extinção estão bandas como os One Last Struggle e seria interessante, também, ter um concerto que revertesse para este tipo de problemática. Mais a sério, os One Last Struggle pertencem a uma génese de banda que, cada vez mais, parece não ser cool enough, para o público do hardcore. Vivemos num tempo em que tudo é fácil. Tudo é efémero. Tudo é vazio e transparente. Questionar é aborrecido. Pensar dá demasiado trabalho. Mas o hardcore sempre se pautou por ser mais que música, mesmo que essa não pareça ser a dinâmica actual e, é por isso, que um cartaz com bandas como os One Last Struggle, os Challenge, os Shape e os For theGlory, tem de ser um cartaz que urge preservar. Os One Last Struggle, como banda nova, surgem como uma espécie de pedrada no charco na passividade que vinha reinando. Traz de volta a ética, a intervenção política, a militância intervencionista de uns longíquos anos 80, ou de uns, não tão longíquos, Refused ou Verse.  Fruto de um incomum, mas aprazível, início a horas do show, os One Last Struggle actuaram para pouca gente - alguns não se terão apercebido que as portas já haviam aberto.  Como banda nova e, ainda sem nada lançado, os One Last Struggle terão conseguido aguçar a cusiosidade dos presentes. Nós por cá ficaremos para watch them rise.

Ver Challenge em 2012 é como viajar no tempo. O tempo de um hardcore sem merdas. Feroz, voraz, visceral. Aquele feeling de desatar tudo à bofetada e a correr em círculos. Houve, até, tempo para recuperar o circle pit em concertos de hardcore, também eles, uma espécie em extinção. Challenge é uma daquelas bandas que não engana. É rápido. É objectivo. Tocam Sick of it All e Floorpunch (No Exceptions com o Diogo de SYC) e têm uma demo mesmo à antiga. É mais que uma banda. Os Challenge tiveram o condão de acordar da letargia as Caldas da Rainha e tornaram a cidade num dos principais pólos contra culturais do nosso país. Um dos principais pólos do hardcore nacional. E, em Outubro de 2012, os Challenge são já uma das grandes bandas nacionais, uma das bandas que já tem o seu público. Já atingiram um estatuto em que as pessoas já conhecem as letras. Já cantam. Já dançam. Já correm em círculos. Já rasgam roupa e exemplificam o que é um concerto à caldas em plena Alvalade.  

A incógnita imperava em alguns. Após algum tempo de descanso de concertos, como seria a reacção do público aos Shape. Afinal, teria o hype esmorecido ou, a banda, já havia cimentado a sua posição no hardcore nacional de tal maneira que nem mesmo alguns meses sem tocar ao vivo tivesse tornado a banda em mais uma vítima deste mundo efémero. A resposta é dada assim que a banda dá os primeiros acordes. Aliás, ainda antes disso. Sabem aquele fosso, ou círculo, que se monta sempre em frente ao palco, como que com medo de bandas ou ninjas mais, ou menos, invisíveis? É coisa do passado. Sabem aqueles shows que gostamos de ver no computador, com filas compactas de gente aos pulos, de punho cerrado e a cantar como se a não existência de um iminente apocalipse disso dependesse, em frente do palco? Isso, sim, é coisa do presente. E Shape, actualmente, é isto. Uma injecção de compreensão. Uma compreensão mútua. Uma comunhão total entre banda e público. Durante 30 minutos nada mais interessa. Só aqueles acordes e aquelas letras. Tão certas. Tão incisivas. É uma banda que vale por si. Uma daquelas bandas, que só eles, conseguiriam ir às fundações, abrir o baú e, de lá, retirar No Spiritual Surrender de Inside Out. Para breve, ficamos a saber que estará uma nova edição prevista, que contará com novas e antigas músicas da banda.

Por esta altura (e antes disso, há que realçar), já eram mais de duzentas pessoas que compunham a República da Música. Mais de duzentas pessoas que se associaram a uma importante causa. Que fizeram, mais uma vez, mais que música de um simples concerto de hardcore.

E, destas mais de duas centenas de pessoas, muitas delas aguardavam com alguma impaciência o concerto dos Forthe Glory. Muitas delas pela primeira vez. Muitas delas mais novas nisto do hardcore que a primeira que, quem vos escreve, foi a um concerto de hardcore. E que compensador é ver miúdos e miúdas, no alto dos seus 15/16 anos, a ostentar orgulhosamente a camisola de uma banda que, quando apareceu no Campo Grande, ali ao lado, a primeira vez, ainda eles estariam, porventura, na escola primária. E nada é por acaso. Assim que se houve o primeiro riff de uma, mais que cansada banda (corre a lenda que foram centenas de km de viagem quase ininterrupta desde o Reino de Castela), a força da juventude imperou. Corpos a voar. Corpos amontoados. Corpos a dançar. Corpos aos pulos por toda uma sala que se concentrava compactamente junto daqueles que vieram ver. Um feeling especial que faz deste tipo de concertos, memorável. Para o público e para a banda.

Mais de duzentas pessoas abraçaram a causa de uma organização que, ao longo dos anos, tem lutado por uma causa especial, uma causa maior, em nome da diversidade animal. É nosso dever, enquanto ser humano, preservar as espécies que habitam o nosso planeta, tenham elas mais, ou menos, utilidade prática (não, espetar bandeirilhas em lombos não é uma utilidade prática). E, enquanto isto não acontece, respeitando o habitat natural dessas mesmas espécies, acontece com o apoio a instituições que visam salvaguardar o bem estar dessas mesmas espécies. Ao Grupo Lobo foi dado um obrigado por todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos na ajuda à preservação do lobo Ibérico. Porque desistir é impossível. Porque isto, é hardcore.

21/09/2012

Grankapo + A Thousand Words + Another Day Will Come @ Roterdão Bar




Em noite de estreias e apresentações, aconteceu de tudo um pouco no Roterdão Bar em Lisboa. O bar, na agora encerrada ao trânsito, Rua Nova do Carvalho (medida que, por certo, agradará a clientes e empresários. Todos se recordarão o quão inacessível se tornava a rua, quando dezenas de pessoas se aglomeravam à porta do MusicBox em noite de concertos, com automóveis a passar ao mesmo tempo), recebeu pela primeira vez um concerto de hardcore. A apadrinhar esta estreia, uma casa cheia, os Another Day Will Come, os A Thousand Words e os Grankapo.

Com um metalcore inundado de breakdowns e paisagens desérticas – ou a banda não se considerasse, ela própria, pure southside metalcore withroots of tiresos Another Day Will Come trouxeram algum sumo novo a uma noite que não deixou de ser do hardcore. O estigma de banda de abertura (que, normalmente, significa tocar para estátuas e paredes) não se fez notar, uma vez que a banda, “trouxera da margem sul do Tejo”, a sua própria falange de apoio, que não pejou em fazer sentir a sua presença desde o primeiro riff (ou devemos antes dizer breakdown) da banda de Paio Pires.

A apresentar o seu EP, agora editado em vinil pela Ruins Records, estavam os A Thousand Words, de regresso a Lisboa e na primeira de três datas (Porto e Caldas) de apresentação do novo lançamento. Com uma entrada com pé esquerdo, os A Thousand Words entraram em falso com Crosses, a “balada” de Sinners, com problemas ao nível da voz que não possibilitaram que a mesma fosse audível ao longo da música, algo que levou ao quase desespero do vocalista da banda.  Com um set sempre centralizado neste EP, os AThousand Words trouxeram, ainda, as já usuais “Intro” (dos tempos da demo) e “AbsenteeDebate” dos Unbroken, a Lisboa.

A fechar o cartaz, os Grankapo vão continuando a apresentar o seu novo trabalho “The Truth”, editado pela HellXis e oferecido à entrada. Um dos herdeiros da cena SPOC hardcore, os Grankapo vão-se mantendo, ao longo dos anos, fiéis a si próprios, mantendo sempre o feeling old school de bandas como Omited Grass Reaction ou More than Hate, muito típico da zona de Loures. Assim, não foi de estranhar que a banda, não só tenha apresentado temas novos, como não esqueceu alguns dos temas mais emblemáticos, de uma banda que leva já mais de 5 anos de carreira (nos tempos que correm, é uma eternidade), mas que vai conseguindo sempre obter uma excelente reacção do público que ruma aos seus concertos.  Mesmo que, esse público, pareça ser cada vez mais jovem.

Lisboa vai-se mostrando rejuvenescida de público, com a afluência de muitos (e novos) rapazes e raparigas, algo capaz de deslocar o mais old school dos hardcore kids. Numa noite em que nem tudo correu bem (o som da sala nunca conseguiu estar à altura, algum calor e uma completa falta de noção e sensibilidade de um elemento da segurança da sala), é de realçar a lotação (praticamente esgotada) da sala a uma quinta-feira à noite, e numa altura em que as aulas já recomeçaram. Não só o Cais do Sodré se renovou neste último ano. O hardcore de Lisboa também.


03/05/2012

Rise and Fall @ Cacilhas



Falar do hardcore belga, é confundir religiosidade com música. É ilustrar fonética e sonoramente a ascenção do capeta à terra; a subida de Dante e Virgílio ao Monte do Purgatório. É acompanhar, dar uma banda sonora, a obras de Rembrandt ou Eustache Le Sueur. É, imaginar, Gustav Doré e Stradamus na voz e guitarra de uma qualquer banda assinada pela Goodlife Records, nos tempos áureos da H8000. E, os Rise and Fall são, em 2012, tudo isto. Os, talvez maiores, herdeiros do legado deixado por bandas como os Liar, os Congress ou os Arkangel. Estiveram de regresso a Portugal, acompanhados pelos A Thousand Words e pelos For the Glory em três datas.

Os A Thousand Words vão vivendo o seu melhor momento após a reformulação da banda. Com “Sinners”, o seu novo EP, acabado de sair – registo que, acreditamos, se tornará referência incontornável do hardcore mais moderno nacional -, coube à banda que se vai desdobrando entre Pombal e o Algarve, dar início a toda esta ascenção demoníaca. Foi, precisamente, com base em “Sinners”, que os A Thousand Words compuseram um set que foi, ainda, complementado por intros vindas dos tempos em que a banda era, digamos, mais nova-iorquina. Os A Thousand Words são, em 2012, um dos nomes mais fortes do panorama hardcore nacional. “Sinners” prova-o. As actuações, isentas de falhas, coesas e, cada vez mais, fluidas em palco, também. “Absentee Debate” dos Unbroken precipitou o fim de um set em que os A Thousand Words terminam com a, também, música final de “Sinners”: “Crosses”.

Os We Are the Damned, banda convidada para a data “lisboeta” da mini tour dos Rise and Fall, encarava o palco de Cacilhas acompanhados por um alinhamento da bandas que, talvez, não lhes fosse o mais confortável. Nada mais errado. Como, aliás, alguém disse, este death ‘n roll, influenciado por bandas como os Celtic Frost ou os Venom, pode até nem ser o mais puro dos hardcores, mas a essência está lá. E, afinal, o underground é só um e imune a estilos, prateleiras e catalogações. Os We Are the Damned trouxeram - para além de Mike Ghost numa das guitarras - um alinhamento focado em Holy Beast, o seu mais recente álbum e que, ao longo de meia hora, tratou de dizimar as almas presentes no Revolver Bar, quais devoradores da morte.

A dar os últimos concertos em Portugal antes de embarcar no carrossel da europa e, depois, da vida, que é como quem diz, antes de ir de férias por um tempo indeterminado, os For the Glory trocaram as voltas ao mundo e foi a sobrevivência do mais forte logo de início. O bem composto Revolver Bar deu, finalmente, sinal de vida. Um concerto de For the Glory é sempre isto. Festa. Mesmo que a ocasião comece a ser de despedida. Mas, ainda antes de dizer adeus, sabemos que haverá um split, um 7’’, com os alemães World Eater – que ainda há pouco tempo visitaram o nosso país. “Life’s a Carrossel” foi o primeiro avanço que se pôde escutar desse registo. Num set que é sempre um desfilar de êxitos, os For the Glory não quiseram deixar de dedicar “All the Same” aos We are the Damned. Afinal, como também já escrevemos, estamos todos no mesmo barco. Bem como “Some Kids Have no Face” dedicada aos esforços, aparentemente inglórios, do movimento es.col.a. “Armor of Steel” encerrou o set da banda, numa actuação que foi, como sempre, à prova de bala.

Destinados a invocar demónios que nem sabíamos existir, os Rise and Fall trazem consigo uma aura que só bandas muito especiais a encerram. Tal como, só bandas muito especiais, iniciam um set curto, mas devastador, logo com “Deceiver” e “Forked Tongues”. A banda da Deathwish é, possivelmente, uma das bandas europeias mais importantes aos dias de hoje. Um banda que pisca o olho não só ao hardcore, mas que vai mais longe. Vai ao metal, vai ao crust. Oferece um som sujo, técnico, ao qual o som do Revolver Bar não soube estar à altura. Quer pelo embaraço do mesmo, numa núvem sonora pouco perceptível e definida, quer pelo desajuste do volume dos diferentes componentes musicais. Uma banda que, mesmo não puxando propriamente pelas danças tradicionais ou pelo sing a long, consegue embrenhar o público. O tempo parece passar demasiado depressa. Depressa até que somos abanados violentamente ao som de “Hidden Hands” e “Bottom Feeder”. Seguidas. Como se não houvesse piedade. Mas os belgas conseguem algo que todas as bandas querem. São melhores a cada disco que passa. “Breathe” – que o próprio vocalista apelida de música mais calma do disco – ou “Faith/Fate” com a qual encerram o set, mostram uns Rise and Fall mais arrastados. Mais técnicos. Mais músicos. Mais... perfeitos. A atitude, quase de possessão mas estranhamente calma, do vocalista, contrasta com os constantes movimentos de serra eléctrica dos guitarristas. Os Rise and Fall são intocáveis e, tanto em palco, como em disco, são intensos.  São imensos. Tudo o que sabemos, é que estes mestres do feedback, podem até falar de esperança perdida, de buscas pelo caminho na vida, mas uma coisa é certa: não queremos procurar mais, não precisamos, o caminho do que queremos ouvir ou ver. Isso sabemos. São os Rise and Fall.



21/03/2012

Bane + Cruel Hand + Rotting Out + Shape @ Cacilhas



Quando nos anos 60 e 70, uma significativa parte da população nacional compreendeu as necessidades de fazer uma vida melhor lá fora, muitos rumaram a Oeste. Saíssem do território continental, saíssem do território insular,  era grande, a probabilidade, do primeiro país que se encontrasse, horas e dias após o embarque, fossem os EUA. Massachussets tornava-se, assim, o segundo estado americano com maior número de emigrantes de origem lusa ou luso-descendentes. Perfaziam 4,4% da população total do estado em 1990. Mas, no sentido inverso, não haverão grandes registos de fluxo migratório. Mesmo que, orientado a este, Portugal seja, em princípio, o primeiro país a surgir. Talvez por isso, também os Bane, tenham demorado cerca de 17 anos, quase duas décadas após a sua formação, a descobrir Portugal. A visitar-nos. Mesmo que, bandas como os Mental, há muito lhes tivessem dito o quão prazerosa poderia ser essa visita. Mas o povo também diz que, o valor da tardia chegada, é sempre maior que o da nunca chegada. E Cacilhas, como bom “porto” que é, recebeu os Bane, finalmente em Portugal.   

Numa noite em que os Metallica pareciam omnipresentes, os Shape trataram de ir ao baú das diabruras buscar uma surpreendente Hit the Lights. Num ambiente ainda frio, distante e com menos público que aquele que seria de prever (sentimento comum a toda a noite), os Shape demoraram algum tempo até finalmente agarrar o público. Terá acontecido já pelo meio do seu set, com Life’s Hard. Não ficaram por revelar mais surpresas, apesar da expectativa em ouvir X-Acto. Mas os Shape não são uma banda de covers e, por isso, quando Vampires, WYLD ou Rotten Inside entram em palco não há espaço para muito mais. Nem para a vergonha ou frieza. E o público finalmente lá se solta. O resto, é o que já todos sabemos.

Em estreia absoluta na Europa, os Rotting Out são uma das mais excitantes bandas novas do hardcore americano. Afinal, “Street Prowl” havia sido recebido no ano transacto como um dos grandes. Naquela que poderá ter sido uma das mais interessades lutas pela beleza pessoal, cremos Walter Benjamin possa ter sido desqualificado por falta de dentes. Mas a vida é assim. Tanto tira, como dá. E Walter Benjamin poderá não ser um sex symbol capaz de fazer vídeos onde em cada take surge com o guarda roupa remodelado, mas compensa tocando baixo nos Alpha & Omega ou sendo a cara dos Minority Unit. E é de música, de conteúdo que gostamos. Os Rotting Out estreavam-se na europa e, talvez por isso, tenham querido abrir o concerto em grande. “Laugh Now, Die Later” foi como uma chapada de luva branca. E a sala rendeu-se aos californianos. De presença inesgotável em palco, a banda e, especialmente, o seu vocalista, viram-se a braços com os irritantes problemas técnicos, a nível de microfone, que parecem ter limitado bastante esta estreia em Portugal, ou não tivessem arruinado por completo, para seu desespero, “Dead to Me”. A banda revisitou não só o seu LP, como foi ainda buscar músicas a Vandalized (“Skin”) e à sua demo (“Kobe Bryant Lifestyle” e “Positive Views”).

Num daqueles volte-face surpreendentes, que por vezes ocorrem, os Cruel Hand formaram um culto muito próprio, que os tornou tanto ou mais relevantes que o seu suposto projecto principal: os Outbreak. Mas, não mais uma side project, os Cruel Hand lançaram alguns dos mais relevantes registos do hardcore mais recente, como o são Prying Eyes ou Without a Pulse. São, também, uma das figuras principais da, relativamente recente, trend do Metallica-core. Algo que, diria, exibem orgulhosamente em tshirts tie dye. De boas recordações nacionais, fruto de vários concertos tocados no ano passado com os ColdBlooded, os Cruel Hand pareciam surpresos com a recepção que iam recebendo ao longo do desfile de “hits” que iam providenciando. Das mais antigas “Under the Ice” ou “Crashing Down”, às mais recentes “Day or Darkness”, “Two Fold”, “Lock n Key” ou “One Cold Face”, num set onde não faltou a óbvia “Life in Shambles”. E quando uma banda termina um concerto sucedendo “Hounds”, “Dead Weight” e “Begin Descension” pouco mais resta dizer. Sólido, pesado e groovy. Assim são os Cruel Hand.

Um sentimento agridoce fica, quando uma das mais importantes bandas dos últimos 20 anos e, seguramente, uma das mais influentes, nos visita pela primeira vez e a sala não está cheia. Não está a abarrotar. Não é, apesar de tudo, algo que tire da memória num futuro longo, o concerto dos Bane. Mesmo que, para isso, a banda tenha de entrar de pé esquerdo com Speechless, que não esteve à altura da expectativa. Como não teve, a ausência de músicas como Ante Up ou The Young and the Restless, num algo incompreensível set de 10 músicas. Felizmente, também diz o povo que a qualidade se sobrepõe, frequentemente, à quantidade. E foi com a intensidade, e a sensibilidade, de músicas como As the World Turns, My Therapy, ou Swan Song – a acabar de forma memorável o concerto – que a banda nos convence. Que como que nos pede desculpa por só agora chegarem. E nós desculpamos. Cantando em uníssono Count me Out, Ali vs Frazier ou Superhero.  Invadindo o palco em Can We Start Again. E, afinal, poderíamos começar de novo?

11/03/2012

Burning Man - Ronin




“Ronin”. “Ronin” é solitário. Vagueia. Não tem destino, flutua. “Ronin” é sujo, é sludge que não perde o core. São riffs que dilaceram que nem daishö, e headbangs que te levam ao seppuku. “Ronin” marca a estreia dos Vianenses “Burning Man” e cuidado, não há código ou ética que o valha, não é, portanto, catalogável. Não se quer. Deves temer, contudo. Por ti, pelos vizinhos, por de onde sai o som que ouvirás. 

Há apenas uma verdade. Esta verdade. Não importam as associações possíveis a bandas como os Mastodon ou Men Eater. Com letras que remetem a Converge ou Rise and Fall ou que soe Deathwish-ish. “Ronin” tem a sua própria vida, o seu próprio código. “Dead Rabbits” define: “heavy drinkers, loyal brothers, unique murderers”. Os “The Rat” deste mundo que se acautelem, que temam. Pelo riff, em loop. Pela sujidade de uma voz sempre arrastada, numa onda que leva tudo em diante. Que queima. Todas as mentiras e memórias. Sem contemplações. “I´ll pull the trigger with no regrets, you will fall and i will stand”. “Our Thing” surge dilacerante, num festival de riffs. São headbangs que partem a espinha. E a voz, essa, surge desértica, envolta em pó. Em tom e colocação diferente, desenjoa. Varre tudo. Mas os “Burning Man” são “Wise Guy(s)”. Agarram o seu destino pela garganta, partem-lhe as mãos. Chegam ao topo da montanha. “Ronin” é isto. É chegar ao topo da montanha. Arrastar tudo o que se conhecia para o abismo. Não há lugares cativos. “Ronin” é sacrifício; é preserverança; é lealdade. Quem diz que Viana morreu? Chegaram os novos daimyö. “Triad” são dez mil sabres. São cinco trovões que se abatem sobre ti. São a sentença de uma nova alma. “Ronin” marca a posição dos Burning Man no panorama underground nacional; Traz nova vida a Viana. Esta é a lenda de um grupo que vinga a reputação de Viana de Castelo. 

Gravado nos Blacksheep Studios, “Ronin” tem data de edição já em Abril próximo e marca a estreia dos Burning Man. “Dead Rabbits” e “The Rat” estão já disponíveis para audição no facebook da banda e a edição de “Ronin” terá cds e cassetes a cergo da Shut Up and Play.